Os Bodes do Catimbau

Este é um conto que escrevi para o nosso projeto de divulgação científica Econtos, um podcast de ecologia para crianças. Ele pode ser ouvido no youtube, neste link, ou no spotify, neste link.

Estava quente. E estava seco. O Sol não dava trégua fazia alguns dias, e isso devia incomodar muita gente. Muita gente, mesmo. Afinal, quem é que não se incomodaria de ficar debaixo do Sol, comendo plantas espinhudas, dia após dia após dia?

João não se incomodava.

João era um bode e vivia no Catimbau, no interior pernambucano, onde ele comia plantas espinhudas debaixo do Sol escaldante, dia após dia. Algumas vezes João se surpreendia, pois a planta que ele tinha acabado de comer estava lá, crescendo, verde e feliz e contente e espinhuda.

Ilustração por Eduardo Lemos

João ficava surpreso, mas a sua surpresa não durava muito tempo. Ao invés disso, ele ia lá e comia de novo a planta verde e espinhuda. E assim seguiam os seus dias.

Os amigos de João, o bode Morisvaldo e a bode Jucélia, seguiam a mesma rotina, embora Morisvaldo fosse mais preguiçoso e gostasse de ficar deitado debaixo da sombra de um cajueiro. E além dos bodes, naquela parte do Catimbau também havia pessoas. Algumas dessas pessoas eram bem estranhas: elas ficavam cavando a terra debaixo das plantas espinhudas e depois colocavam a terra de volta, e por vezes até tiravam umas folhas das plantas mas nunca as comiam. Essas pessoas se referiam a se mesmas com a estranha palavra “pesquisadores”, ou às vezes “cientistas”. Elas diziam que estavam lá Fazendo Pesquisa. João achava muito estranho elas não comerem as plantas espinhudas.

Um dia, uma dessa pessoas disse para outra: “Acho que nós já medimos esse cajueiro aqui, visse.”. Era a planta debaixo da qual o bode Morisvaldo estava deitado – e foi assim que João soube que aquela planta era um cajueiro. Não que isso fizesse muita diferença para ele, ou para Morisvaldo, ou para a planta.

As pessoas iam e vinham; eram muitas pessoas, mas ele lembrava da cara de algumas. Não dos nomes. João não se interessava por nomes de pessoas – pessoas não tinham folhas que ele pudesse mastigar. Cajueiros sim, cajueiros tinham folhas que ele pudesse mastigar, mesmo que não fossem as suas folhas favoritas. Mas bom, morando no Catimbau, debaixo do Sol que não dava trégua, não se podia ser muito exigente. João não era nada exigente em relação às plantas cujas folhas ele comia.

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