Relatos de uma bióloga: trabalho de resgate de fauna e gestão ambiental de hotel de luxo

Este é um post convidado, escrito por Letícia Rizzetto Patrocínio, bióloga formada pela UFBA e cujo mestrado em Ecologia Aplicada à Gestão Ambiental eu orientei. Pedi para ela escrever um pouco sobre sua experiência como bióloga fora da área acadêmica, para pessoas fazendo biologia se inspirarem. Letícia, obrigado por aceitar o convite!

Olá! Vim aqui hoje a convite de Pavel para falar um pouco sobre a minha experiência como bióloga fora do famigerado ambiente acadêmico. É engraçado como a nossa ideia da profissão vai mudando de acordo com o tempo e as nossas experiências.

Iniciei a faculdade de biologia na UFBA querendo ser cientista, descobrir coisas, resolver problemas relevantes para a sociedade – como quase todos os aspirantes a biólogos, acredito eu, pois ninguém entra em biologia visando dinheiro e prestígio. Porém, preciso admitir que terminei o curso querendo qualquer coisa menos ser cientista (desculpa, Pavel), pois descobrindo o que na realidade envolve ser pesquisadora no Brasil, vi que não era nada do que eu esperava e que definitivamente não era a minha praia. Por outro lado, descobri que como biólogos podemos trabalhar em muitas outras coisas que não me contaram enquanto estava na universidade. Então não se preocupe pequeno biólogo, se você assim como eu não nasceu para esse ambiente acadêmico, existem sim outras alternativas!

Bom, vou compartilhar um pouco da minha vivência fora da academia…Vamos lá! Comecei a trabalhar depois da faculdade com resgate de fauna, que é uma atividade que faz parte do procedimento de licenciamento ambiental. É obrigatório, de acordo com a legislação, o acompanhamento de biólogos nas atividades de supressão vegetal (desmatamento) de áreas a partir de determinados tamanhos, com determinadas características e para determinados fins (falando de uma forma bem geral). O biólogo fica responsável por afugentar ou resgatar a fauna silvestre que estiver no local que estará sendo desmatado.

Não vou mentir que esse é um trabalho bem desgastante. Você aprende muito sobre os bichos, sobre a vegetação e sobre as pessoas da região em cada um desses trabalhos, porém, é um trabalho sem nenhum glamour, é muito sol na cabeça o dia inteiro, muita andança e muita muuita poeira na cara. Costumo dizer que os trabalhos de resgate são um intensivão pois geralmente são temporários, em média 4 – 5 meses, dependendo do tipo de empreendimento podem chegar até a 1 ano ou mais (mais raros). E durante esse tempo você fica imerso em um local (geralmente longe da civilização rsrs) com sua equipe da consultoria ambiental e o resto do pessoal da obra.

É uma imersão de verdade, e falo principalmente pelo meu ângulo como mulher. Trabalhamos diariamente com equipes compostas somente por homens, e é um ambiente clássico de obra, então pode imaginar aí aquele ambiente bem machista, onde precisamos nos impor o tempo inteiro e nos mostrar capazes de fazer um trabalho que é bastante físico. Nas experiências que tive foi preciso um pouco de tempo para que o clima ficasse menos pesado, para que a equipe me conhecesse melhor e passasse a respeitar a minha presença ali e depositar alguma confiança em mim e vice versa. Foi necessário também uma cobrança forte dos superiores sobre respeito, além de uma atitude bastante firme minha de mostrar que eu era uma profissional e que ‘mesmo sendo mulher’ rsrs (o que é doido que tenhamos que fazer, mas é essa a realidade…) eu era mais do que capaz de exercer meu trabalho.

Bom, parece muita coisa para se preocupar, e é mesmo! Mas o saldo pelo menos para mim foi positivo. Acredito que o resgate foi muito importante para meu entendimento de sociedade fora da minha bolha universitária de cidade grande, e principalmente como profissional aprendi coisas que teoria nenhuma te ensina, além de ver pessoalmente bichos que até então só tinha visto em livros e de presenciar paisagens estonteantes. Preciso também dar ênfase aqui nas grandes amizades que a gente faz pelo trecho, outros biólogos(as), veterinários(as) entre outros profissionais que passam a ser a nossa pequena família no tempo que passamos juntos, apoiando uns aos outros nos perrengues (que são muitos).

Estou aqui falando no passado porque atualmente não trabalho mais com resgate de fauna, pelo menos não nessas condições de obra. Hoje estou como gestora ambiental de um hotel de luxo localizado na beira da praia em meio a um ambiente de restinga. Coisa boa né. Dias de luta, dias de glória. Aqui meu trabalho envolve um pouco de resgate de fauna também, mas não só isso. Em sua grande maioria realizo o resgate de abelhas e vespas, mas também aparecem serpentes, sariguês, preguiças perdidas querendo entrar nos quartos, inclusive outro dia apareceu até uma lontra por aqui. Além disso, o trabalho ainda envolve a gestão de resíduos sólidos e educação ambiental. Sou responsável por fazer capacitações e treinamentos para os funcionários do hotel, que estão em constante contato com a vegetação sendo frequente o encontro deles com animais silvestres.

Bom, confesso que antes de trabalhar aqui nem sabia da possibilidade de ter uma vaga para bióloga(o) com gestão ambiental em hotel, mas aparentemente existe rsrs. Só fazem 5 meses que estou aqui, mas está sendo uma experiência ótima e bem diferente do que eu estava acostumada. Enfim, essa é a minha experiência como bióloga na vida pós universidade até o momento, agradeço por lerem até o final.

4 pensamentos sobre “Relatos de uma bióloga: trabalho de resgate de fauna e gestão ambiental de hotel de luxo

  1. Esse tipo de post é maravilhoso Pavel. É bom saber que existem outros caminhos. Também trabalhei com animais silvestres no estágio da graduação e me identifiquei de certa forma. Letícia precisou fazer algum curso de aperfeiçoamento de resgate de fauna durante sua formação acadêmica??

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  2. Oi Ingrid! não precisei fazer nenhum tipo específico de curso de aperfeiçoamento, utilizei o que tinha de conhecimento de estágios com fauna durante a graduação.

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