Um pouco sobre seleção de modelos

“A interpretação da evidência, usualmente sendo contexto-específica, é deixada para o investigador: ciência se trata de evidência, não de dicotomias ou decisões acentuadas.”1

Burnham & Anderson 2014

Na minha experiência aprendendo e ensinando estatística, o foco tem sido em grande parte em testes de significância de hipótese nula (null hypothesis significance testing — NHST). E não tenho nada contra — eu gosto de testes de hipóteses nulas, eu gosto de p-valores (sim, eu realmente gosto de p-valores) — contanto que sejam bem usados e evitando as falácias a eles associadas! – e acho que aprender tais testes é um bom início. Além disso, muitas perguntas científicas realmente podem ser respondidas por testes de hipótese nula. Existe um efeito de borda detectável ou não sobre a fauna de formigas em um manguezal? Existe uma diferença na estrutura da vegetação entre áreas de cerrado contaminadas e não contaminadas por metais pesados? Existe uma relação entre a pluviosidade em um mês e os casos de leptospirose em uma comunidade na Bahia? Testes de hipótese nula conseguem responder tais perguntas e, quando usados corretamente e combinados com estimativas de tamanhos de efeito e medidas de qualidade de ajuste, podem fornecer informações realmente úteis.

Mas em outras situações — em muitas outras situações — tais análises já não dão conta do recado. O efeito de borda sobre as formigas é linear ou não linear? Os metais pesados afetam a vegetação linearmente ou existe um limiar a partir do qual o efeito passa a ser muito mais intenso? A incidência de leptospirose é mais afetada por pluviosidade, temperatura, ou se naquele mês teve ou não visitação pelo Centro de Controle de Zoonoses? Bom, até daria pra pensar em testes de hipótese nula para fazer tais inferências, mas talvez seja melhor usar uma abordagem desenvolvida especificamente para lidar com hipóteses — ou modelos — contrastantes e concorrentes: a Seleção de Modelos.

E na minha experiência usando análises estatísticas e ajudando pessoas a usá-las, seleção de modelos é ao menos tão comum quanto testes de hipótese nula em diversas situações. Então sim, existe um descompasso entre o que utilizamos e o que é ensinado — inclusive o que é ensinado a nível de doutorado!2

Bora então ver um pouquinho sobre como podemos fazer uma seleção de modelos e interpretar seus resultados. Eu já escrevi um pouco sobre o que é um modelo linear, como interpretar os resultados de um modelo linear generalizado e como avaliar qualidade de ajuste e comparar entre diferentes modelos. O post de hoje pode ser visto como uma complementação deste último post, explorando alguns aspectos mais introdutórios.

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Em meio ao Verde Uniforme

Este conto foi escrito para o Econtos por Ivana Cardoso (que já escreveu este e este textos para o anotherecoblog!). Neste conto, Ivana fala sobre aves em plantações de eucalipto, com base na pesquisa que desenvolveu durante o mestrado. E se preferir, você pode ver o vídeo deste conto no nosso Youtube, ou ouvir ele no Spotify :-)

Eucalipto aqui, eucalipto acolá,
Tem alguém aqui? Olá?
Árvores iguais, altas e retas,
Organizadas em filas diretas

Vem comigo investigar,
Muitas diversidades a encontrar,
Nos eucaliptos tão altos,
Há aves para todos os lados,

Algumas voam como saíras,
Outras saltitam como corruíras,
Mas todas têm seu lugar,
E sabem muito bem respeitar.

Então venha descobrir,
Toda essa diversidade a florir,
Em cada canto desse lugar,
Há muito a se investigar.

Ilustração por Fabiana Melo

Hoje vamos viajar até o sul do estado da Bahia, onde há muito, muito tempo, existia uma floresta incrível, repleta de árvores frondosas e verdes, que se estendia por muitos quilômetros e abrigava várias dimensões da diversidade de aves.

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Sim, pós-graduanda(o), você pode (e possivelmente deve) ir atrás de financiamento para a sua pesquisa

Praticamente toda pesquisa ecológica (e não só ecológica) precisa de algum financiamento para ser viável. Se for uma pesquisa teórica, pode ser que os únicos recursos necessários sejam um computador e um espaço para trabalhar, e com sorte o seu laboratório os irá fornecer – mas não conte muito com essa sorte se não souber antes das condições do trabalho! Se for uma pesquisa envolvendo mais modelagem ou dados geográficos, você pode precisar de acesso a um computador mais potente, que com sorte o laboratório ou a universidade vai lhe fornecer – mas às vezes não. Se for uma pesquisa de campo, você vai precisar de recursos para ir pra campo, e muito provavelmente para equipamentos de campo, que podem ser mais baratos ou mais caros. E você também precisará de material de consumo – álcool para guardar bichinhos coletados, ou ao menos jornal para prensar plantinhas coletadas… Enfim. Há necessidade de recursos! Como conseguir eles?

Primeiramente, temos as fontes mais facilmente disponíveis, se tivermos sorte:

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Domine uma coisa

No anime Kimetsu no Yaiba, um personagem que não vou falar quem é sofre por não conseguir avançar nas técnicas de combate que deve aprender. Ele só consegue fazer a primeira técnica – a que seria mais simples – e falha completamente ao tentar as outras. Isso, como era de se esperar, não ajuda em nada na sua auto-estima, que já é bem baixa, e faz com que ele se sinta incapaz para as lutas que deve enfrentar.

Então, o mestre lhe diz algo nas linhas de: Você deve dominar uma única coisa, e dominar algo já é motivo para comemoração. Se você consegue fazer uma única coisa, refina-a até a perfeição, leve-a até o seu maior limite. E o personagem faz isso, desenvolve até a perfeição a técnica a usa maravilhosamente bem quando está em condições de combate.1

Ele não precisou aprender as outras técnicas para ser bom no que faz, ele não precisou aprender outras habilidades mais novas – ele simplesmente se tornou extremamente bom em uma técnica que conseguiu dominar.

Inclusive, no Kendô – a arte da espada japonesa – se usam essencialmente três golpes: Men, na cabeça, Kotê, no punho; e Dô, na lateral do corpo. O Men é muito mais usado do que os outros três, e assim, em anos de treino, levado à perfeição – um golpe rápido e preciso. Não precisamos, portanto, dominar muitas técnicas distintas para termos resultados, se dominarmos bem uma técnica e ela funcionar.

Eu acredito que isso se aplica à carreira acadêmica e às coisas que precisamos aprender nela – especialmente pensando na pesquisa científica. Não de aprender uma única coisa, talvez isso seja insuficiente – mas de aprender um conjunto de coisas e as levar até a perfeição. Seja no seu conhecimento da teoria, seja nas suas habilidades para coleta de dados, seja nos seus conhecimentos estatísticos – você não precisará aprender tudo, e talvez nem seja útil tentar; aprender um conjunto limitado de coisas, mas aprendê-las muito bem, pode ser uma excelente estratégia, possivelmente a melhor estratégia – se as coisas forem bem escolhidas.

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Relatos de uma bióloga: trabalho de resgate de fauna e gestão ambiental de hotel de luxo

Este é um post convidado, escrito por Letícia Rizzetto Patrocínio, bióloga formada pela UFBA e cujo mestrado em Ecologia Aplicada à Gestão Ambiental eu orientei. Pedi para ela escrever um pouco sobre sua experiência como bióloga fora da área acadêmica, para pessoas fazendo biologia se inspirarem. Letícia, obrigado por aceitar o convite!

Olá! Vim aqui hoje a convite de Pavel para falar um pouco sobre a minha experiência como bióloga fora do famigerado ambiente acadêmico. É engraçado como a nossa ideia da profissão vai mudando de acordo com o tempo e as nossas experiências.

Iniciei a faculdade de biologia na UFBA querendo ser cientista, descobrir coisas, resolver problemas relevantes para a sociedade – como quase todos os aspirantes a biólogos, acredito eu, pois ninguém entra em biologia visando dinheiro e prestígio. Porém, preciso admitir que terminei o curso querendo qualquer coisa menos ser cientista (desculpa, Pavel), pois descobrindo o que na realidade envolve ser pesquisadora no Brasil, vi que não era nada do que eu esperava e que definitivamente não era a minha praia. Por outro lado, descobri que como biólogos podemos trabalhar em muitas outras coisas que não me contaram enquanto estava na universidade. Então não se preocupe pequeno biólogo, se você assim como eu não nasceu para esse ambiente acadêmico, existem sim outras alternativas!

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Hipótese da Liberdade Intermediária em Orientação Acadêmica

Seguindo o meu quest de entender como orientar da melhor forma possível, lhes apresento as minhas ideias mais recentes!

Em ecologia temos muitas relações não-lineares, um caso especial sendo as em forma de parábola. Temos a relação entre produção primária e biodiversidade, temos a hipótese do distúrbio intermediário (alguns dos mecanismos para explicar a qual já foram demonstrados falsos mais de dez anos atrás, mas outros fazem sentido)… É provável que relações não-lineares sejam a norma e não a exceção. Então por que não aplicar tais relações também a outras coisas, fora da ecologia, ao menos como metáforas?

Daí surge a minha Hipótese da Liberdade Intermediária em Orientação Acadêmica (HLIOA) (Eu não gosto de siglas mas esta soa legal!). A ideia geral é a seguinte:

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Sua vida acadêmica não morre depois da maternidade (ou morre, mas aí nasce de um jeito milagrosamente novo)

Este é um post convidado, escrito por Ana Beatriz Silva Gomes – minha amiga e ex-orientada, idealizadora do Econtos, e atualmente doutoranda na UFRPE. E mãe de Aurorita. Às 8h45 de hoje eu lhe sugeri que ela escrevesse um post sobre o tema, e duas horas depois o texto estava pronto!

Sua vida acadêmica não morre depois da maternidade (ou morre, mas aí nasce de um jeito milagrosamente novo)

[Pensamentos de uma mãe]

Hoje é sábado e está chovendo.

Ainda bem que choveu, porque estava quente demais e Aurora odeia calor (fica toda vermelhinha e rosnando de raiva). Mas também não é muito bom, porque se hoje é sábado e está chovendo, significa que não vou poder lavar roupa… e acho que vou remarcar o piquenique com minhas amigas no parque. Nem pensar em sair com Aurora assim. Vai tá tudo lama e vai que chove quando estivermos lá?

[Desligando um pouco os pensamentos pra escrever o texto]

Oi gente! Meu nome é Ana. Sou mãe de Aurora, que vai fazer um aninho mês que vem. Ela já tem três dentinhos, já sabe apontar as partes do corpo e imitar bichinhos. Todo mundo acha ela um bebê feliz. Eu também acho. Mas ela é bem temperamental, e agora que aprendeu a rosnar, fica parecendo um filhote de cachorro quando contrariada (sou mãe dela, posso comparar ela com um cachorro se eu quiser).

Bom, se me pedir pra falar dela, isso aqui não vai ser mais um blog de estatística. Vai ser mais um blog de maternidade, da mãe de Aurora. Mas, bom. Vamos falar sobre o que fui convidada por Pavel pra fazer:

“Coisas de maternidade e vida acadêmica… Que sejam eventualmente úteis para pessoas” – Pavel

Vou fazer o seguinte: Vou contar um pouquinho de como foi minha experiência e listar algumas coisas que acho úteis (pra mãe/pai da criança, estando na academia, e pro/a orientador/a sobre como acolher essa nova fase da/o sua/seu estudante).

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Bento e o Sotaque das Aves

Este conto foi escrito por Ivana Cardoso – que já escreveu este e este posts neste blog! – para o nosso projeto Econtos. Você também pode ouvir o conto no Spotify ou ver ele no Youtube ou no Instagram. Divirta-se! :-)

Preste bem atenção no que eu vou lhe dizer:

Ele tem as costas pardas e a barriga amarelinha,
Uma listrinha branca é a sua sobrancelhinha
Seu bico é preto, achatado e longo
Come frutas, insetos e até camundongos!
Tem duas asas, cauda preta e garganta branca
Um topete amarelo ele esconde da vizinhança
Seu canto tem três sílabas, que também é o seu nome
Você já descobriu qual o seu codinome?

Bem-te-vis, também chamados de Pitangus sulphuratus, são muito comuns no nosso país e estão presentes em todos os estados, desde áreas urbanas e florestas até ambientes aquáticos. Se você procurar bem, conseguirá encontrar algum cantando nos fios de telefone, telhados e postes na sua cidade.

Ilustração por Nathália Rebeca de Paiva Pinto
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Sonho de viajar pela biologia com tudo pago [CHECK!]

Este é um post convidado, escrito por Ariane Leite do Nascimento, graduanda em Ciências Biológicas pela UFBA e laureada do Prêmio Carolina Bori para Mulheres e Meninas na Ciência em 2023!

Este é o relato da viagem que fiz para Curitiba-PR entre os dias 24 e 26 de julho de 2023. Esta viagem foi a continuação do Prêmio “Carolina Bori Ciência & Mulher – Meninas na Ciência” da Sociedade Brasileira pelo Progresso da Ciência (SBPC), o qual tive a honra de receber, em fevereiro desse mesmo ano, em São Paulo, pelo meu trabalho no projeto de extensão Botânica Sempre Viva e Em Aula. Este prêmio que leva o nome da primeira presidente mulher da SBPC e uma cientista muito importante para a ciência e, principalmente, para a psicologia no Brasil, é uma forma de incentivar as jovens mulheres brasileiras a seguirem seus sonhos na ciência – área ainda majoritariamente ocupada por homens (em seu principal recorte social: cis, brancos e héteros). No total, foram premiadas 9 meninas: 6 de graduação e 3 de Ensino Médio. Todas nós, as premiadas, então, viajamos para Curitiba, de onde estivéssemos, para participar da 75ª Reunião Anual da SBPC – com tudo pago!

Premiação em fevereiro de 2023. As laureadas do Prêmio Carolina Bori no Centro Universitário Maria Antônia em São Paulo – SP.

Tudo começou em uma segunda-feira, dia 24 de julho de 2023…

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Mamãe Sagui e seus filhotinhos

Este é mais um conto publicado no Econtos e escrito por este que vos escreve! Caso prefira, você pode ouvir ele no Spotify ou ver um vídeo lindo no Youtube ou no Instagram. Este texto foi inspirado neste artigo de Aluane Ferreira e também na minha experiência voluntariando no Projeto Mucky.

Cinco saguizinhos foram passear
Além da floresta, para brincar
Mamãe Sagui chamou: Ssiiiiiu! Ssiiiiiiu!
E cinco saguizinhos voltaram de lá!

Ilustração por Eduardo Lemos

Sim, todos os saguizinhos voltaram, deixando Mamãe Sagui e Papai Sagui tão felizes! Mas não é sempre que todos voltam. A vida dos saguis é repleta de riscos! Alguns riscos são naturais, e outros foram criados por nós, seres humanos.

Mamãe Sagui conhecia bem esses riscos.

Agora, em meio ao seu grupo familiar, ela se sentia segura e tranquila. Mas às vezes ela se lembrava do seu primeiro filhotinho, o mais jovem da ninhada, que havia sido tirado dela dois anos atrás.

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