Este é o segundo post escrito por Ivana Cardoso, atualmente doutoranda do INPA, para este blog :-) Espero que seja o segundo de muitos! Se quiserem ler o outro post que ela escreveu, cliquem aqui!
Toda vez que preciso escrever um projeto, tenho dúvidas sobre as hipóteses e predições do estudo. Por isso, resolvi escrever esse post. Quero que ele seja um lembrete para o futuro e que ajude pessoas com as mesmas dúvidas. Então, bora lá:
Por onde começar?
Eu diria que o primeiro passo do projeto, e em torno do que tudo se desenrola, é a pergunta. Para pensarmos em uma pergunta interessante é necessário bastante leitura e estudo do assunto de interesse. Experiência no trabalho de campo e conversa com especialistas também podem ajudar a criar boas perguntas. Assim, conseguiremos identificar uma lacuna no conhecimento e formular uma pergunta original e possível de ser respondida com os recursos disponíveis.
Como prosseguir?
Depois de formularmos a pergunta, precisamos determinar quais fatores podem influenciar o nosso objeto de estudo, que é o que vamos estudar especificamente dentro do assunto de interesse. Para determinar esses fatores, Magnusson e colaboradores (2015)1 sugerem a criação de fluxogramas, os quais facilitam a visualização e criação das hipóteses e predições. Os fluxogramas também tornam mais fácil a identificação das variáveis dependente e independente.
A variável dependente depende da independente (isso mesmo heheh), ou seja, os valores da variável dependente são (ou podem ser) influenciados (isto é, aumentam, diminuem ou desaparecem) pelos valores da variável independente. A variável dependente é representada no eixo y (vertical) do gráfico. A variável independente não depende de nenhuma outra variável dentro do estudo em questão, ela é representada no eixo x (horizontal) do gráfico.
Criando uma situação
Então, vamos imaginar que estamos interessados em descobrir se as aves escolhem os frutos que comem baseado na cor. Sabendo que:
- Plantas que são polinizadas ou dispersadas por animais sensíveis à cor têm maior sucesso reprodutivo ao utilizar cores visíveis, pois facilitam a detecção e atração desses animais (Schaefer et al. 2004);
- O contraste das cores influencia a detecção dos frutos pelas aves no sub-bosque das florestas (Cazetta et al. 2009). Frutos vermelhos, pretos e, algumas vezes, brancos exibem maior contraste e são mais frequentemente dispersos (Wheelwright and Janson 1985; Schmidt et al. 2004).
Nos perguntamos: Aves consomem mais frutos de cores mais visíveis?
Com esse fluxograma podemos inferir que o consumo de frutos é influenciado pela cor do fruto e pela visibilidade, que também pode ser influenciada pela cor. Podemos identificar ainda que consumo de frutos é a variável dependente, e cor é a variável independente.
Hipótese e predição
Agora que temos uma pergunta e criamos um fluxograma para visualizar melhor toda a questão, nos resta escrever a hipótese e a predição. A hipótese é uma possível resposta à pergunta do estudo. Ela pode ser aceita ou não. Já a predição é o que você espera que aconteça caso a hipótese nula seja rejeitada.
Ao fazermos um teste de hipóteses, precisamos de uma hipótese nula e uma (ou mais) alternativa. A hipótese nula (H0) geralmente afirma que não existe relação entre os fenômenos estudados, a hipótese alternativa (H1) afirma o contrário, e é considerada como corroborada quando a hipótese nula (H0) não tem evidência estatística. Veja no nosso exemplo:
Pergunta: Aves consomem mais frutos de cores mais visíveis?
Hipótese nula (H0): Aves não consomem mais frutos de cores mais visíveis.
Se a hipótese nula (H0) for aceita, esperamos que:
Predição: Frutos serão igualmente consumidos independente da cor.
Hipótese alternativa (H1): Aves consomem mais frutos de cores mais visíveis.
Se a hipótese nula (H0) for rejeitada, esperamos que:
Predição: Frutos vermelhos e pretos serão mais consumidos, pois são mais visíveis para as aves e exibem maior contraste com o ambiente (Schmidt et al. 2004).
É sempre válido utilizar gráficos para demonstrar as predições, pois eles também facilitam o entendimento e visualização da relação das variáveis. Abaixo criamos dois boxplots, também chamados de diagrama de caixa, para demonstrar graficamente a variação nos dados através de quartis. Quartis são valores que dividem o conjunto de dados em quatro partes, são eles: quartil inferior (25%), mediana (50%) e quartil superior (75%).
No gráfico boxplot acima, temos a variável independente (cor do fruto) no eixo x, e a variável dependente (número de frutos consumidos) no eixo y. Este gráfico demonstra nossa predição de que, caso H0 seja aceita, os frutos serão igualmente consumidos independentemente da cor que possuem.
Já neste segundo gráfico, também temos a variável independente (cor do fruto) no eixo x, e a variável dependente (número de frutos consumidos) no eixo y. Porém, ele demonstra nossa predição de que, caso H0 seja rejeitada, os frutos vermelhos e pretos serão os mais consumidos.
Após coletar os dados, poderíamos aceitar ou rejeitar a hipótese nula com base no p-valor de um teste de análise de variância (ANOVA) e, posteriormente, identificar diferenças nas médias dos grupos utilizando o teste de Tukey.
E hoje ficamos por aqui. Deixo abaixo recomendações de leitura sobre o tema.
Sugestões de leitura
- A arte de elaborar uma pergunta científica
- Operacionalizando uma hipótese
- Não gosto de boxplots. #prontofalei.
Referências utilizadas:
- Cazetta E, Schaefer HM, Galetti M (2009) Why are fruits colorful? The relative importance of achromatic and chromatic contrasts for detection by birds. Evol Eco. https://doi.org/10.1007/s10682-007-9217-1
- Magnusson W., Mourão G., Costa F. (2015) Estatística sem Matemática. ISBN: 9788590200222.
- Schaefer HM, Schaefer V, Levey DJ (2004) How plant-animal interactions signal new insights in communication. Trends Ecol Evol. https://doi.org/10.1016/j.tree.2004.08.003
- Schmidt V, Schaefer HM, Winkler H (2004) Conspicuousness, not colour as foraging cue in plant-animal signalling. Oikos. https://doi.org/10.1111/j.0030-1299.2004.12769.x
- Wheelwright NT, Janson CH (1985) Colors of fruits displays of bird-dispersed plants in two tropical forests. Am Nat. https://doi.org/10.1086/284453
Excelente texto! Sempre bom começar desenhando as ideias =]
Se me permitem, deixo mais uma referência:
https://analises-ecologicas.com/cap2.html
CurtirCurtido por 1 pessoa
Obrigada, Maurício! É verdade, isso nos ajuda a visualizar e entender melhor a pesquisa como um todo.
Que ótima referência! Muito obrigada por compartilhar :)
CurtirCurtir
Obrigado Pavel e Ivana. Parabens!
CurtirCurtido por 1 pessoa
Obrigada, Hernani! Abraços :)
CurtirCurtir
Texto maravilhoso, parabéns! :)
CurtirCurtido por 1 pessoa
Obrigada, Juliana! Abraços ;)
CurtirCurtir
Parabéns pela linguagem simples e rigor conceitual usados na produção do texto. Ficou muito bom!
CurtirCurtir
Pingback: Bento e o Sotaque das Aves – Mais Um Blog de Ecologia e Estatística
Pingback: Em meio ao Verde Uniforme – Mais Um Blog de Ecologia e Estatística