Ciência, Amazônia e o chamado para a aventura

Versão em áudio disponível clicando aqui. Este é um post convidado, escrito por Ivana Cardoso, licenciada em ciências biológicas e estudante de mestrado do PPG Ecologia e Conservação da Biodiversidade da UESC. A convidei para escrever esse texto depois de algumas conversas por email sobre o blog, nas quais pensei “Olha, essa pessoa poderia escrever um texto bem legal!” Eu estava certo! :-)

Talvez você esteja se perguntando quem sou eu, de onde vim e por que raios estou escrevendo um post para o blog. Particularmente, eu não sou alguém importante, não venho de uma faculdade renomada e de uma cidade que você já tenha ouvido falar. Sou de uma cidade pequena no Rio Grande do Sul, chamada Júlio de Castilhos, venho de um IFFar, Instituto Federal Farroupilha, onde cursei Licenciatura em Ciências Biológicas. Então, o que possivelmente eu estaria tentando escrever aqui no blog? Bom… neste post, venho escrever um pouco sobre minha jornada do herói (como diz Marco Mello). Quando ingressei na faculdade, no ano de 2015, eu nada sabia sobre ciência, artigos científicos e rede de contatos, mas Gandalf já dizia que nem mesmo os muito sábios podem ver todos os fins.

Meu chamado para aventura foi através de uma seleção para um voluntariado no Amazonas, aquele que você faz, mas não tem muita esperança de ser selecionado. Foi assim comigo: me inscrevi, fiz a seleção e recebi com muita surpresa, uma semana depois, a notícia de que tinha sido escolhida. Agora, me restava decidir se deixaria minha família e partiria para fora do meu estado pela primeira vez, com pessoas que eu não conhecia. Eu decidi: tranquei um semestre de meu curso, fiz um seguro de vida (para desespero da minha mãe haha) e pensei, como Bilbo Bolseiro, estou indo em uma aventura!

Foi assim que, durante o segundo semestre de 2016, fiz parte do Programa de Voluntariado do Instituto Chico Mendes de Conservação de Biodiversidade (ICMBio) na Reserva Biológica do Uatumã, no lago e no entorno da Usina Hidrelétrica de Balbina, onde integrei o projeto “Impactos ecológicos da Usina Hidrelétrica de Balbina em assembleias de aves florestais”, sob a coordenação e supervisão do pesquisador Anderson Saldanha Bueno. O objetivo desse projeto era determinar os impactos ecológicos de longo prazo do represamento do rio Uatumã em espécies de aves florestais. De julho a dezembro de 2016, amostramos 38 sítios, sendo 33 ilhas e 5 florestas contínuas. Íamos a cada sítio durante três dias, o primeiro para instalar 16 redes de neblina e os últimos dois para realizarmos as amostragens.

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Nossas redes de neblina instaladas formando a linha de rede.

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Pithys albifrons, papa-formiga-de-topete, uma das espécies que capturamos na rede.

Durante o tempo em que participei deste voluntariado, tive a oportunidade de vivenciar o dia a dia de uma pesquisa de campo em meio a floresta amazônica, trabalhando diretamente com animais de vida livre. Além disso, aprendi a utilizar técnicas e métodos de pesquisa para estudos com aves, bem como a logística de campo, o trabalho em equipe e a oportunidade de conhecer o trabalho desenvolvido em uma unidade de conservação. A experiência de conhecer uma nova realidade, um novo estado e uma nova cultura regional, fazer novas amizades e trabalhar em locais diferentes, do que eu estava acostumada, me fizeram repensar o mundo. Ao me engajar em uma pesquisa científica, percebi que ainda temos muito a descobrir e que podemos começar com coisas simples para, então, nos tornamos autores de grandes descobertas. E é um negócio perigoso, Frodo, sair pela sua porta. Você pisa na estrada, e, se não manter seus pés, não há como saber para onde você pode ser levado.

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Um de nossos acampamentos, representando o dia a dia de uma pesquisa de campo em meio a floresta amazônica.

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Um dos trajetos que percorremos para nos deslocarmos do acampamento até a ilha onde iríamos amostrar no dia.

Quando voltei para meu Campus, em 2017, escrevi um projeto de pesquisa almejando uma bolsa de IC. Não alcancei, mas segui com o projeto da mesma forma, pois já havia dados coletados e não era necessário gastar com mais nada. Foi neste ano que apresentei um pôster no Ornithological Congress of the Americas. Em 2019, escrevi outro projeto de pesquisa almejando uma bolsa IC e, novamente, não consegui. Da mesma forma, segui com o projeto. Nesse mesmo ano, apresentei de forma oral um trabalho no XXVI Congresso Brasileiro de Ornitologia, onde ganhei auxílio viagem para ir até a cidade do evento e voltei para casa com o prêmio Helmut Sick de 1° lugar apresentação oral – graduação. Foi então que, por aceitar o chamado para aventura, precisei encarar as seleções do mestrado no final de 2019. Assim, eu saí de minha pequena cidade e hoje estou cursando Mestrado em Ecologia e Conservação da Biodiversidade na Universidade Estadual de Santa Cruz, uma realidade que eu nunca imaginei para mim. Eu não tinha experiência nenhuma, tudo que precisei foi de uma oportunidade, alguém que acreditasse em mim.

Escrevendo esse post não quero que minha jornada seja um exemplo, não quero dizer que você tem que seguir exatamente o que eu fiz, longe disso! Eu também reconheço que é muito fácil sair de casa e se aventurar quando se tem para onde voltar. O que quero com este post é deixar uma mensagem para nós, que estamos iniciando na ciência: Acreditem em si mesmos e se aventurem, aproveitem cada oportunidade que aparecer. Porque quando você parar para olhar para trás você vai pensar “Caramba, eu andei até aqui” e o sentimento é recompensador. Por fim, deixo aqui mais algumas palavras do Gandalf: O mundo não está em seus livros e mapas, ele está lá fora.

19 pensamentos sobre “Ciência, Amazônia e o chamado para a aventura

  1. Que texto maneiro, parabéns! Você está no caminho certo. Para seguir carreira na ciência, ainda mais nas ciências ambientais, é preciso atender o chamado para a aventura. Vou até linkar este post em um outro meu sobre a importância dos estágios de graduação. Na minha geração (X), era bem mais comum os alunos de graduação fazerem estágios de férias ou mesmo trancarem um ou dois períodos para viverem experiências desse tipo. Elas fazem toda diferença na formação profissional e pessoal.

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    • Obrigada, Marco! Fico muito feliz em receber um feedback seu!

      É verdade, essas oportunidades realmente ajudam a nos direcionar e não deveríamos ser impedidos por obstáculos como ter que trancar um ou dois períodos. Meu primeiro orientador, Anderson S. Bueno, sempre se referiu a isso como uma situação onde você dá um passo para trás para poder dar dois para frente.

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  2. Pingback: Faça estágios de graduação! – Sobrevivendo na Ciência

  3. Ivana é minha querida amiga!!! Belo texto e fotos.
    Ela faz parte das pessoas que me dão incentivo pra ingressar no caminho da Ciência que, como está claro, é ótimo.

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    • Luiza, minha querida amiga! Obrigada!
      Espero que este texto tenha te trazido ainda mais brilho nos olhos para quando falar que pensa em seguir o caminho da Ciência!

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  4. Muito bom o texto e as referências nerds hehehe. Acho de extrema importância os estágios voluntários, e essa saída da zona de conforto. Lembro que durante minha graduação fiz estágios na área da genética e da biologia marinha e percebi que não gostava de nenhum dos dois. Não porque eram cursos ou estágios ruins, mas porque eram totalmente diferentes do que eu imaginava. Então, participando de um curso de entomologia foi que descobri o quanto amava fazer pesquisas com insetos. Quem tiver oportunidade de se lançar por aí, acho que vale muito a pena . É nesses cursos ou estágios que você se dá conta do que realmente gosta. Muitas universidades ajudam com os custos, e pode ser uma boa saída pra quem não tem grana assim disponível com facilidade. Por exemplo, foi com a ajuda da UESC que consegui fazer um curso de estatística no Uruguai ^^

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    • Obrigada, Bianca!

      Tens razão, essa é a parte legal de aproveitar cada oportunidade: descobrir o que você realmente gosta.

      Muito legal você ter mencionado essa parte sobre a grana! Eu só consegui ser voluntária do ICMBio porque recebi auxílio, assim como também recebi para ir nos eventos de Ornitologia que contei. Realmente existem meios de se conseguir ajuda, seja pela Universidade ou pela instituição que organiza algum evento… o importante é participar, pedir ajuda e convencer que você vai usar da melhor forma!

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  5. Muito bom mesmo esse texto, inspirador! …Tem um episódio de Doctor Who em que alguém é apresentado como alguém sem importância, e o Doutor responde algo como “Incrível! Em meus 900 anos de vida eu nunca conheci alguém sem importância!” :-) Acho que é também uma mensagem de acreditar em si mesma/o e aproveitar oportunidades. Ivana, obrigado pelo texto!

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    • Obrigada, Pavel! E obrigada, também, pelo espaço que você abriu no blog para que eu pudesse escrever.

      Com certeza essa também é uma mensagem de acreditar em si mesma/o e eu ainda tenho que aprender muito com ela.

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  6. Ótimo texto minha amada.!
    Você é uma pessoa muito determinada.
    Continue! Tudo o que você precisa chegará até você no momento certo.

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